sexta-feira, 21 de maio de 2010

HULLIGAN

Quando o vi pela primeira vez, ele era pequenino. Eu conseguia segurá-lo com apenas uma das mãos. Entretanto, suas pernas finas e compridas indicavam que logo eu precisaria também da outra mão para erguê-lo.

O tempo foi passando e seus olhos, inicialmente azuis, foram ficando verdes e, na maioria dos momentos, caramelo, ou cor de folha seca.

Seu pelo é marrom tom mel, seu rabo longo e ativo, as pernas continuam longas, mas bem mais fortes, assim como seus pés que quando pisam nos meus, amassam meus dedos.

Não consigo mais erguê-lo com uma mão, nem com duas. Posso apenas abraçá-lo, fazer carinho atrás de sua orelha e receber uma lambida do seu mais característico carinho canino.

sábado, 15 de maio de 2010

UM DIA DE DOMINGO


Domingo foi feito para descansar, certo? Nem sempre. É que tem gente que ”inventa moda” nos domingos. Talvez para ser diferente, talvez para chamar a atenção, mas eu acho que a verdade é que essa gente quer mesmo é aproveitar a vida em tudo o que ela oferece, divertir-se, aventurar-se e apreciar a companhia de quem se ama e quer bem.

Em um desses dias de descanso, algumas dessas “gentes”, que corre a semana inteira entre o trabalho, a casa,  a família e outras coisinhas mais, resolveu fazer um programinha atípico e subir a Pedra dos Três Pontões, um dos pontos turísticos mais famosos de Afonso Cláudio.

Munidos de boné, protetor solar, garrafas e mais garrafas de água, cordas, máquinas fotográficas, um guia divertido e uma cadelinha mais que simpática, essas “gentes”  percorreram trilhas, atravessaram lajes, escalaram pedras, saltaram fendas, arranharam-se em espinhos, levaram galhadas e árvores e contemplaram um horizonte límpido, margeado por uma cordilheira de montanhas onde se avista até a Pedra de Forno Grande, dois ou três municípios adiante.

Quando se chega lá no alto, há 1.110m do nível do mar, depois de tanta canseira, o ar que se respira é mais puro, o céu é mais azul, o sol aquece com delicadeza e o vento acaricia a pele como que se lhes desse um abraço de congratulações por terem vencido as  barreiras e percalços da subida.

Findo o momento de contemplação, exauridos pelo esforço, as “gentes” refizeram o caminho para casa: já sem pernas e sem energia física, mas reabastecidos de uma energia diferente, uma energia que alimenta a alma, o espírito  e fortalece para mais uma semana de corre-corre entre o trabalho, a casa, a família...

terça-feira, 4 de maio de 2010

ONDE ESTÃO AS BORBOLETAS DO JARDIM?

Um dia desses, de súbito, minha filha me perguntou onde estavam as borboletas. Fiquei sem resposta. Olhei em derredor e também não as vi. Ela então me disse: “Acho que acabaram com todas...”. Tristemente completei: “Acho que sequer deixaram que se transformassem em crisálidas.”.

Quando freqüentava a Educação Infantil, naquele tempo chamada de Jardim, um certo dia fui buscar (ou guardar, não me lembro mais) um trabalhinho no varal e encontrei, atrás de outros trabalhinhos, um objeto estranho, num formato em espiral, cor de sujo. Não descrevo a textura porque não tive coragem de tocá-lo.

Estupefata, mostrei “aquilo” à professora que doce e meiga, como deveriam ser todas as professoras, em especial as de Educação Infantil, nos explicou que ali adormecia e preparava-se para nascer uma belíssima borboleta. Como não acreditamos na veracidade dos fatos, a professora pacientemente nos explicou o ciclo de vida das borboletas e colocou a minha folha (com meu trabalhinho) num lugar mais protegido, onde poderíamos acompanhar o seu nascimento.

Todos os dias íamos lá olhar se a borboleta já estava “acordando” e nada. Aos quatro anos de idade, impossibilitados de acreditar que lagartas estranhas formavam casulos e de lá saíam majestosos insetos, já começávamos a pensar que a professora estava enganada, que aquele objeto encontrado no meu trabalhinho era excremento de algum outro inseto, ou mesmo sacanagem de um coleguinha.

Não vimos a borboleta romper o casulo. Este momento se deu quando estávamos em casa, também dormindo. Encontramos o belo inseto na sala de aula no outro dia. Ficamos maravilhados com todas as suas cores, seu bater de asas, seu voar que mais parecia um balé nos ares.

Com bastante delicadeza, a professora tomou-a nas mãos em concha e fomos soltá-la no pátio, onde voou, felicíssima, tal como nós, de flor em flor.

Este episódio ficou retido no turbilhão da minha mente, juntamente com o cheiro da massinha na sala do Jardim, ou do gosto da merenda na lancheira, a textura do uniforme xadrezinho vermelho com meu nome bordado no bolso e o elástico que levávamos para pular nos intervalos. De lá de dentro só saiu agora, quando olhei em volta e não vi as borboletas do jardim.

sábado, 1 de maio de 2010

TEMPO


Você já parou para pensar como demoram passar 10 minutos na fila do banco e como esses mesmos 10 minutos voam quando você está recebendo um carinho de quem ama?

No prazo de apenas uma semana uma vida inteira pode mudar. Pessoas nascem, pessoas morrem. Amores são desfeitos, paixões se consolidam. Guerras se armam, conflitos milenares são solucionados. Ritos são repetidos, filosofias são reinventadas. Flores desabrocham; o sol nasce sete vezes e se põe outras tantas; tempestades se armam; água cai do céu e molha a terra; a lua dá o ar da graça e as estrelas salpicam de brilho o manto negro da noite.

Durante este tempo, me digno a imaginar: o que temos feito? Onde empregamos esse tão precioso tempo que não temos como repor? Onde se esvai nossa vida? Por que meandros, por quais preocupações queimam-se nossos neurônios? Em quais desilusões se desfaz nossa paz de espírito, endurece nosso coração, decepciona o nosso amor?

O tempo passa e o corre-corre que vivenciamos cotidianamente, cada qual ao seu jeito, nos afastam da vida em si, de vivê-la plenamente, de gozar dos prazeres que ela tão placidamente reinventa a cada dia, a cada sol, a cada lua.

Muitos são os poetas, músicos e escritores que se dedicam a falar sobre o tempo. Não do tempo clima, mas do tempo cronológico, o tempo ‘tempo’ mesmo! Esse falar se dá, talvez, por eles enxergarem a insensibilidade do tempo, sua inflexibilidade. Mário Quintana disse que “quando se vê já é sexta-feira (...), quando se vê, perdemos o amor da nossa vida; quando se vê já passaram-se 50 anos (...)”.

Eu digo que, quando se vê, alguém viveu o que era para ser vivido por nós, enquanto estávamos no corre-corre que nos impedia de viver.

(Crônica publicada no Jornal Cidade - Abr. 2010)