quinta-feira, 12 de maio de 2011

CRISE DE ABSTINÊNCIA


Meu pai era fumante (parou há cerca de 10 anos). Minha mãe também era (parou quando morreu há 3 anos). Meu irmão ainda é (espero que pare em breve).

Fui uma adolescente típica: implicante, contestadora, com ideias mirabolantes, conhecedora do mundo e dos segredos da vida. Entretanto, não entendia o segredo dos vícios. Provavelmente porque eu não tinha nenhum, simplesmente não compreendia porque meu pai não parava de fumar já que sabia que o fumo lhe fazia tão mal. Eu sempre questionava isso com ele, mas ele não tinha respostas para dar-me, ficava sem argumentos diante das minhas indagações.

Não sei ao certo explicar o porquê, talvez tenha a ver com minha característica de impaciência, pavio curto, ansiedade ou excesso de energia, não sei... O fato é que nunca me prendi a nenhum vício, até cheguei a fumar na adolescência e mesmo com todo o histórico familiar, não cheguei a viciar, sempre dei conta de iniciar ou findar algo que me propusesse.

Foi assim quando decidi tornar-me vegetariana. Fiquei meses sem comer carne, mas enjoei de comer só arroz com feijão (haja vista que na época não comia verduras e legumes) e acabei voltando a ser carnívora.

Também foi fácil parar de tomar leite de vaca (base da minha alimentação, chegava a tomar quase um litro por dia) depois que o Dr. Dermatologista diagnosticou-me alérgica à lactose.
Inventei também de não consumir mais açúcar; optei por não mais freqüentar determinados ambientes antes comuns; excluí pessoas (de grandíssima relevância) da minha vida... ou seja, nada ou qualquer coisa impedia minha determinação ou limitava meus atos simplesmente por serem comuns ou freqüentes na minha vida; a grosso modo, nunca me permiti prender a qualquer vício, fosse ele qual fosse, sempre fui livre para iniciar ou findar algo que me propusesse.

Hoje faz aniversário de 2 meses. São 60 dias; 1.440 horas; 86.400 minutos; 5.184.000 segundos sem “ele”: tão lindinho, tão fofinho, novinho, fresquinho, um neguinho cheio de gás e energia; esperto, forte, robusto; tudo-de-bom. Toda minha teoria de imune aos vícios caiu por terra nessas últimas semanas com sua ausência súbita, seu abandono, sua falta.

Quando ele partiu, achei que seria por poucos dias, uma ou duas semanas no máximo, mas foram muitos os dias, tempo infinito que mesmo contado parece uma imensidão muito maior. Agora tenho certeza que não voltará mais aos meus braços; sei que jamais nos veremos novamente. Meus dedos não mais deslizarão sobre ele, meus olhos não mais pairarão sobre sua beleza de ébano. Acabou nosso relacionamento tão íntimo. Simples assim, é o fim.

Confesso que a dor maior já passou. Foram muitas e muito fortes as crises de abstinência. Usei todo meu poder de concentração no processo de ausência, mas mesmos assim sofri, chorei, perdi o sono. Entrava e saia dos cômodos da casa à noite e nos fins de semanas (momentos em que nossa intimidade era maior) desorientada, alucinada, em fortes crises.

Agora consigo compreender meu pai e seu vício pelo cigarro. Sito na pele o quanto ele deve ter sofrido quando decidiu parar de fumar e acredito que ainda sonha com um filtro branco entre os dedos.

Terei de rever meus conceitos de imunidade aos vícios e sobre iniciar ou findar algo ao qual me proponho, pois já não suporto mais esta ausência, esta abstinência. Está decidido: semana que vem compro outro notebook.