quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

MUDANÇAS NO MUNDO


O Mundo está mudando. As coisas do mundo estão mudando. Não estou falando apenas da forma das pessoas se tratarem, cada vez mais impessoal; ou da forma que estamos criando nossas crianças, cada vez mais distantes da fantasia e das coisas “naturais” de criança. Estou falando também e, sobretudo, do Mundo com letra maiúscula, do Mundo Planeta, do Mundo Vida, do Mundo local onde vivo, do Mundo pessoas que convivem comigo.

Outro dia, conversando com um amigo, ele disse-me que viu a enchente de 79, que assolou Afonso Cláudio, e depois viu também a de 2009, de igual ou maior proporção. Então, ele disse-me que queria estar vivo daqui a 30 anos para ver a próxima grande enchente em nossa cidade. Não precisou esperar 30 anos. Na verdade, esperou poucos dias após ter feito essa reflexão comigo. Ressalto: não falávamos sobre enchentes e sim, sobre tempo.

(Foto Victória Roncete)
Fui acordada às 2h15min dessa manhã pelo meu chefe e amigo, avisando-me que estávamos em enchente novamente e pedindo-me que descesse para ajudá-lo a levantar nossos materiais de planejamento, pois havia risco da água chegar à sala e estragar tudo. Desci depressa e quando trafegava pelas ruas que deveriam estar desertas àquela hora da madrugada, encontrei diversas pessoas sobre as pontes e nas beiradas do rio vigiando as águas; nas janelas de suas casas; nas portas de seus estabelecimentos.

Em meio a diversos trabalhadores que se apressavam em levantar mercadorias das lojas e moradores – ajudados por seus vizinhos e parentes –  que carregavam todas as suas “coisas” em caminhões e ônibus da prefeitura para escolas ou lugares mais seguros, encontrei também cidadãos eufóricos com as águas que subiam 1cm por minuto, apostado uns com os outros se passariam ou não os níveis da enchente anterior, de 1 ano atrás.

(Foto Monalisa Brumm)
Vi um casal desolado, sentado do outro lado da rua, observando seu estabelecimento recém reinaugurado, pois foi levado pelas águas da enchente do ano anterior. Foi impossível não tentar imaginar o que passava pela cabeça deles, o que os fazia ter um olhar tão longe e triste.
 
Também falei com uma amiga pelo telefone. Ela, há três noites, não dormia vigiando o rio. Dormiria agora, o restante da madrugada na casa da cunhada, pois transportara todas as suas “coisas” para um lugar seguro e nada mais havia a fazer, a não ser esperar as águas baixarem para lavar o barro.

(Foto Ravany Lerbarch)
Quando já era dia, as águas do rio baixando, ouvi o jovem Maestro da Banda desolado dando uma entrevista à rádio da cidade, porque a Prefeitura acabara de reformar as instalações da banda e o belíssimo piso de madeira, a porta de vidro e o quadro de última geração estavam encharcados pela enchente. Ele estava limpando tudo, jogando baldes de água no chão e nas paredes, água do rio que ainda desviava seu curso na rua em frente às instalações da Banda.
                                                                                                               
É, o Mundo está mudando. As estações não estão mais tão bem definidas quanto antes: faz frio intenso em épocas em que as temperaturas deveriam estar mais amenas, o calor em certos dias é insuportável e as chuvas não são mais tão bem distribuídas como antes. Isso sem falar da destruição global do nosso próprio habitat; da hipocrisia das pessoas; do “ter” mais importante que o “ser”...
                                            
(Foto Ravany Lerbarch)

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

CHEIROS E SONS


Existem sons que nos encantam: sons naturais, sons individuais, sons artificiais, sons coletivos. Existem também cheiros de igual encantamento e que nos transportam a outros ambientes, lugares, estados de espírito e até outros tempos.

Os sons dos pingos da chuva batendo no telhado, por exemplo, conduzem-nos, geralmente, a um espírito de tranqüilidade e preparam-nos para uma viagem imaginativa provocada pelo cheiro da terra molhada. O som dos trovões que explodem no céu, desperta a mente e abre caminho para novas emoções irradiadas pelos diversos cheiros trazidos pelos ventos que acompanham a chuva, são cheiros que vêm de longe, cheiro de outras “energias”, de outras “forças”, cheiros transcendentes.

Há também o som do silêncio transmitido pela noite. Esse reflete um espírito de mistério e proporciona um cheiro fresco, lenitivo; um cheiro que inebria, refrigera a alma e a dispõe para as novas relações de um novo dia, numa nova história a ser contada.

Já o som do sol aquecendo a pele da gente é quase inaudível, diria até perceptível apenas àqueles sensíveis à poesia que envolve o viver. Este som, por sua natureza, proporciona força, calor e traz consigo o cheiro do fogo que não queima nem arde, só energiza.

O som da brisa nos cabelos canta, bem pertinho dos ouvidos, a mesma canção cantada às folhas das árvores, às flores do campo e, de quebra, transporta todo seu aroma que perfuma a alma e a vida.

Nesta época gostosa, onde o vento que sopra na noite lá fora traz em si um cheiro quente e doce, os sons são também diferenciados e especiais, são sons de sinos delicados, sons de vozes em coro que cantam as boas novas, são  orquestras inteiras anunciando que o Natal está chegando, a vida está se renovando e, mais uma vez temos a oportunidade de transmitir todo amor, alegria, paz, paciência, bondade, benevolência, fé e mansidão, os dons que um dia recebemos do Criador.

Um feliz Natal, cheiroso e com sons harmoniosos!

Texto pulicado no "Jornal Cidade", dez. 2010.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

SONHO BOM

A noite estava quente, mas inesperadamente, o ar que soprava, estava fresco. Seguimos por aquela estrada tão conhecida que Naquele momento parecia um cenário totalmente novo aos meus olhos. Os faróis que vinham ao nosso encontro não desviavam nossa atenção e entre uma conversa e outra, uma risada sonora dava mais vida e som ao ambiente.



Subitamente a sua mão achou a minha e seus lábios tocaram-na num sinal de carinho. Mal pude absorver essa emoção e o carro parou: seus lábios agora estavam junto aos meus. Um abraço apertado, um arrepio, um desejo. Retornamos à estrada e estacionamos mais a frente.


O silêncio da noite permitia ouvir melhor a sua voz ao meu ouvido. Outro beijo, outro abraço, outro arrepio, ainda mais desejo.


Um clarão cortou o céu escuro, seguido do som estridente de um trovão. Ali, parada dentro do carro, diante daquela porteira, os pingos da chuva começaram a molhar o chão. Abri a porta e caminhei pela estrada. Agora sim, totalmente deserta e as gotas frias molharam meu rosto; escorreram pela minha pele; misturaram-se ao meu suor.


Assim molhada com essa mistura de chuva, suor e desejo, voltei para o carro, aninhei-me a seu colo e fechei os olhos num suspiro profundo. Alguns segundos depois, voltei a abri-los e contemplei o teto branco do meu quarto, outro suspiro profundo e reportei-me à minha realidade.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

A IMPERMANÊNCIA DO TEMPO

Sim, eu sei, já postei este texto. Estou re-postando-o, então, devido ao mesmo ter sido publicado no Jornal Cidade no mês de Novembro/10 e, para tanto, recebeu algumas linhas a mais no final.

Houve uma época em que o homem não se importava em contar o tempo. Naquela época, a preocupação do homem estava relacionada com o alimentar-se e abrigar-se e, o nascer e o por do sol eram simplesmente espetáculos divinos apreciados por um homem que não dava conta dos seus meandros.

A constância fazia parte daquele tempo e as emoções vividas acabavam por se tornarem exaustivas, arrastadas, até perderem seu brilho, sua força.

Em sequência a essa vida pacata, a “precária e veloz Felicidade” passou a ditar aos homens a celeridade do tempo, dada a inconstância da sua presença nas vidas, nos espaços, nas situações.

Foi então que o homem inventou as horas e passou a medir o tempo, relacionar épocas, refazer seus planos, reeditar seus objetivos, calibrar seu foco.

Diante dessa nova realidade: a percepção do tempo como algo dotado de início, meio e fim, o homem percebeu, também a angústia, a decepção, a dor e a impotência, pois o tempo mostrou-se limitado, apesar de imparcial e constante, apesar de volúvel.

Neste ínterim o homem apoderou-se da impermanência e a certeza de que “nem sempre vai ser assim”, que os meandros do tempo nos permitem altos e baixos e que são estes que nos embalam em doces esperanças de que a cada renovar do tempo, novas surpresas nos trarão sentimentos de amor, felicidade, paz, fraternidade, saúde, benevolência...

Mais um ano está findando. Hora de fazermos balanços. Hora de aferirmos o que deu certo e o que deu errado. Hora de planejar mais algumas ações para um novo período de tempo que se instala a nossa frente, novinho e pronto para ser vivido.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

DIÁRIO DO MESTRADO - MÓDULO II - FIM DE SEMANA

Sonhos realizados são difíceis de descrever, e os que estão em processo de realização ficam ainda mais complicados de serem explicitados.



Estou assim, meio que em estado de êxtase. Feliz, entusiasmada e ciente de que ainda tenho um longo, longo caminho a percorrer, mas estou disposta a todos os sacrifícios que esta jornada me cobrará, pois sei que bem a 20 metros do arco-íris, o ar tem cheiro doce.


Mais que aprendizados acadêmicos (e que profusão deles), experienciei também aprendizados de vida; ultrapassei barreiras que imaginei intransponíveis; descobri que dentro de mim existe mais força do que supunha; iniciei o despertar de uma alma adormecida, que pouco a pouco vai redescobrindo-se, reencontrando-se, felicitando-se por si mesma e consigo mesma.


Neste fim de semana recobrei um pouco mais da minha fé no outro. Percebi que mesmo que tenham matado em mim a confiança no meu semelhante, ainda existem alguns que são dignos dela e que todo seu esforço deve ser levado em consideração.


Conheci gente, várias gentes: distintas, únicas, incomparáveis. Descobri que o conhecimento não muda mesmo que mudemos de continente, e que não há nenhuma necessidade de sabermos tudo, nem mesmo mais do que seja necessário para nossa sobrevivência, porque sempre haverá alguém que está disposto a compartilhar conosco aquilo que levou uma vida para descobrir, aquilo que aprendeu devorando livros e livros, aquilo que conheceu em suas andanças pelo mundo, aquilo que absorveu das observações cotidianas e ainda aquilo que lhe sobreveio numa noite sem sono debruçado sobre escritos alheios.


É só o início, é o meu início. O caminho é longo, a estrada nem sempre tranqüila. Haverá percalços ao longo da minha jornada, sei disso, mas não estou me incomodando muito com isso não, estou apenas interessada em trilhar por esta passagem e ver o que me espera lá na frente, logo depois da curva.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

DIÁRIO DO MESTRADO - MÓDULO II - QUINTA-FEIRA

Esperei tanto este dia chegar, que nem vi a semana passar. Quinta-feira! Primeiro dia! Para sair de casa e chegar lá não foi fácil (mas afinal o que é?), discussões, correria, coisas de última hora para providenciar, coisas que a última hora não permite providenciar. Fui e voltei debaixo de chuva. Greve de ônibus, trânsito engarrafado.


Na sala de aula um monte de rostos desconhecidos. Nas apresentações vi que a maioria possuía apenas rostos diferentes, as histórias, volta e meia, se repetiam. Um gastrônomo, um analista de sistemas, um advogado, um marxista. No mais, gente como eu: docentes, educadores, pessoas preocupadas em promover uma educação de qualidade.

Havia também mosquitos, pernilongos, muriçocas, borrachudos. Muitos, um “batalhão” deles e, como disse minha companheira de “sonhos”, mais pareciam bois com asas que pastavam nosso sangue.

Nunca 4 horas passaram tão depressa. Tantas informações; meus dedos não acompanhavam meus pensamentos, muito menos os pensamentos e palavras do professor. Este, um português de olhos azuis de ressaca (sei que Machado ressacou olhos castanhos, mas os do meu professor são azuis). Ressacada também era sua voz, lenta e arrastada que, em consonância com o forte sotaque da língua mãe, fez-me perder 80% do que ele falava nos dois primeiros quartos da aula.

No meio das anotações o gravite da minha lapiseira acabou e, quando eu o repunha, minha mente lembrou-me de quando eu comprei a lapiseira, no início do ano, junto com o material escolar do meu bebê, quando disse a ela: “vou comprar uma lapiseira vermelha e bonita para fazer diversas anotações no Mestrado”.

Naquele momento, ali na papelaria, era apenas um sonho, hoje é real! É certo que tive que fazer algumas adaptações, mas e daí, não sou nenhuma roteirista mesmo, apenas tenho as idéias, elaboro o plano, traço as metas e o Criador, Ele sim, o maior roteirista de minha vida, dá conta de colocar as coisas para andarem e acontecerem, ou seja, por os sonhos em prática.

Prática, tudo é uma questão de prática. No quarto quarto da aula, já perdia apenas 40% do que o professor português com olhos de ressaca falava. Até domingo darei um jeito de adaptar-me melhor para perder apenas os 5% permitidos a uma mente altamente imaginativa de viajar dentro de si mesma para outros mundos que só a ela pertencem.

PS: Não participei do Módulo I, por isso esse diário inicia-se do Módulo II.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

EU E O DESTINO

Eu ousei mudar meu Destino. Ele, o Destino, foi desenhado para mim quando ainda não respirava o ar impuro deste mundo. Entretanto, quando o olhei, analisei e medi as possibilidades que ele me oferecia, não gostei delas e ousei mudá-lo.

Confesso que não foi fácil. O Destino insistiu em perseguir-me. Quando conseguiu alcançar-me, prendeu-me, açoitou-me, atou-me e escravizou-me. Fiquei ali, então, acuada e oprimida tendo que viver apenas o que ele traçara para mim. Mas, como no “mito da caverna”, via as sobras lá de fora, projetadas no fundo da caverna e não contentava com a escuridão à minha frente.

Meticulosamente fui aprendendo a conhecer melhor o meu Destino. Ele, o Destino, não era muito articulado e não gostava de falar de si, mostrar do que gostava, do que odiava, explicitar seus pontos fortes e/ou fracos. Com muito jeitinho, mostrando-me sempre interessada por si, fui falando de mim, mostrando-me a ele e, aos poucos conquistamos a confiança um do outro.

Nesta interação entre eu e meu Destino, percebi sua sabedoria, sua força e seu poder sobre mim e compreendi que não conseguiria simplesmente fugir de suas garras novamente.

Com delicadeza, procurei mostrar-lhe que não estava satisfeita com a realidade que desenhara para mim. Fato após fato, fui apresentando ao Destino o que me desagradava, onde poderíamos mudar e ele, sempre muito atencioso pareceu compreender-me, compreender minha angústia e meu dissabor com minha vida e, inesperadamente, fez-me uma proposta: O Destino, senhor de todas as histórias, propôs-me realizar as tais mudanças que sugeri, mas, em contra partida, mesmo que me arrependesse, não poderia mais voltar atrás, deveria assumir todas as responsabilidades pelos sabores e dissabores dessa mudança.

Topei, disse sim! 

Vagarosamente coloquei-me de frente para a “entrada da caverna”. Vislumbrei a luz ofuscante do sol e seu calor que aquece; senti o cheiro da brisa que tocava minha pele; ouvi o cantar dos pássaros e outros sons que povoavam o ambiente. Fui reconstruindo minha vida, assim como achava que deveria ser, mudando, aqui e ali, alguns pontos com os quais não concordava com o Destino.

Algum tempo já se passou desde que aceitei a proposta do Destino. Ainda não sei o que ele quis dizer com “assumir toda a responsabilidade pelos sabores e dissabores dessa mudança”, mas a passadas miúdas pela relva da minha nova vida, já compreendi que sim, “às vezes, os ventos erram a direção”.

domingo, 21 de novembro de 2010

SOBRE A VIDA E O VIVER


Sempre tive em mim que as histórias se repetem. Não estou falando no coletivo, ou de gerações, estou falando no individual, no pessoal mesmo. 

Outro dia estava conversando com uma moça e ela me contou da dificuldade que é sua vida: perdeu a mãe ainda criança, viveu de casa em casa de parentes até casar e, quando imaginava que a vida dar-lhe-ia um ‘descanso’, o marido adoeceu e ela teve que assumir todas as responsabilidades com casa, filhos, marido, gato, cachorro, papagaio e periquito.

Fiquei observando ela contar sua história e pensando: “quantas outras já ouvi neste mesmo ritmo? Quantas vezes a ‘sorte’ das pessoas é traçada quando nascem e, independente do caminho que elas decidam trilhar, nada vai mudar?”...

Não sei como categorizar esse meu pensamento, esse meu divagar, só sei que isso é algo que venho pensando já há algum tempo. O cenário muda, os atores também, mas o enredo é sempre o mesmo.

Perdas e ganhos fazem parte da nossa vida. Sei disso. O que quero ‘tentar’ dizer é que se estamos cadastrados no caminho das perdas, dificilmente (ali, bem perto do impossível), conseguiremos trilhar o caminho dos ganhos. 

Dentre muitas coisas, essa é uma daquelas em que quero muito estar errada. Quero que a vida me prove meu erro de julgamento a seu respeito. Mas para isso preciso viver. Então, vamos nessa.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

REENCONTRO


Caminhava pela praia vagarosamente. Sentia seus pés tocarem o chão quente e ouvia os estalidos dos pequeninos grãos de areia. Uma brisa suave tocava seu rosto e o barulho das ondas enchia toda aquela imensidão, não havendo espaço para mais nada em seus ouvidos.

Havia muito tempo que estivera ali. Eram outros momentos, outros ruídos, alguns rostos, sorrisos, brincadeiras de criança. Agora era apenas ela, o mar, o sol e a imensa faixa de areia branca e quente.

Enquanto caminhava, observava o desenhar dos seus passos na areia, um após o outro, iam deixando uma trilha marcando sua direção. De súbito olhou para frente e percebeu que um vulto aproximava-se. Apertou os olhos com que para forçar a visão e, aos poucos, o vulto foi tomando corpo, forma, feição.

Seu coração deu um salto descompassado ao reconhecer a pessoa que vinha a seu encontro. Não se lembrava mais a última vez que haviam encontrado-se; mal podia lembrar de seu rosto, mas quando ela aproximou-se mais teve a certeza de que nunca se afastaram o suficiente para esquecerem uma da outra.

Num primeiro momento trocaram um olhar desconfiado, mas aos poucos estenderam os braços e um abraço apertado foi trocado ali, naquela praia deserta, onde apenas o mar e o céu serviam-lhe de testemunha.

Como crianças correram pela faixa de areia. Iam até o mar, molhavam os pés e saiam correndo das ondas, como que numa brincadeira de pega-pega. Já cansadas e sem fôlego, sentaram-se na beirinha da praia. Sem pedir licença, ou proferir uma só palavra, a primeira aninhou-se no colo da segunda e ficou ali, ouvindo o bater do seu coração que parecia uma belíssima canção de ninar acompanhada pelo barulho das ondas.

O sol já ia se pondo lá longe e ambas perceberam que era chegada a hora de se afastarem novamente. Uma lágrima correu o rosto da primeira. Ela não queria deixá-la novamente, não tinha se dado conta de quanto sentia falta daquele contato, daquela sabedoria, bondade e carinho. Como que compreendendo o que a primeira sentia em seu peito, a segunda acenou com a cabeça transmitindo-lhe que não mais se separariam e, mais que isso, jamais a abandonara, estivera sempre ali, em silêncio, aguardando-a retornar de sua longa, triste e penosa jornada.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

PAISAGEM CULTURAL


Afonso Cláudio tem quase 120 anos de emancipação política, fora os tantos outros anos que os desbravadores desta terra lindíssima por aqui viveram sem que se marcassem o tempo. 120 anos é uma vida. E quantas histórias? Entretanto, se as histórias não forem contadas, elas acabam sendo esquecidas, principalmente aquelas que não são escritas em papel e sobrevivem nas crenças de seu povo, no seu comportamento, nas suas regras morais, nos seus costumes e, por que não, nas fachadas de suas construções que são as paisagens culturais de uma cidade?

Nasci e cresci nessa cidade. Aprendi a gostar dela mais do que qualquer outra. Gosto de seu aparente sossego, sua beleza bucólica, sua estranheza com o que não lhe pertence, ao mesmo tempo em que abraça o estrangeiro que por aqui aporta e o faz sentir-se em casa. Gosto de acordar pela manhã e ouvir os pássaros cantando do lado de fora. Gosto de olhar para o céu à noite e ver milhões de estrelas sem que as luzes das ruas atrapalhem. Gosto de receber bom dia de pessoas que não conheço, mas que sabem de quem sou filha ou neta.

Contudo, há algo que me incomoda por aqui. Por mais que me esforce, busque, pesquise, cavuque fósseis de um tempo nem tão remoto assim, percebo que Afonso Cláudio tem uma história pobre. Não pobre de acontecimentos, porque esses foram inúmeros, incontáveis e ricos em detalhes pitorescos daqueles que só acontecem por aqui, mas pobre em memória, em registros. São poucos os documentos escritos que mostram a nossa história. Os costumes, as crenças e os valores que também formam a nossa cultura; esses estão se perdendo a cada geração que renova a vida da cidade. O que resta, pouco ou nada é divulgado aos jovens que crescem sem saber a grandiosidade da narrativa do solo em que pisam.

Há algum tempo ouvi dizer que demoliriam o Hotel Custódio e construiriam ali um luxuoso e moderno prédio. A princípio não me dei conta do que isso significava, mas quando vi o espaço vazio na esquina da Praça Aderbal Galvão, tive a certeza de que mais um pedaço da nossa história, nossa cultura construída com pedras, massa e tijolos, estava sendo destruída.

Movida pela melancolia daquele espaço vazio, vaguei pela cidade em busca de outras edificações que contassem um pouco dos nossos 119 anos de história e, tristemente constatei que pouquíssimas ainda resistem às construções modernas. Nossa história tão pobre em relatos escritos está a cada dia ficando ainda mais pobre em paisagem cultural.

Não levanto aqui uma bandeira contra a modernização de Afonso Cláudio, quero apenas que repensemos a preservação de nosso patrimônio cultural em todos os âmbitos que ele se apresenta, cientes de que um povo sem história é um povo mais pobre culturalmente e que para construir o futuro não precisamos, necessariamente, destruir o passado, muito pelo contrário, precisamos preservá-lo e recontá-lo às gerações vindouras para que elas valorizem o esforço que fazemos para construir esta terra que lhes é berço, progenitora e celeiro de grandes mentes, obras e histórias, cujas raízes alicerçam muitas lidas, lutas e vitórias.

sábado, 30 de outubro de 2010

AS ESCADAS


Parei no topo da escada e olhei lá para baixo. No terceiro degrau a entrada se estreitava. Havia muitos galhos, terra, mato e mal podia ver de qual material a escada era feita. A luz não permitia que eu visse nada além do terceiro degrau. Sentei-me no chão em busca de coragem para iniciar a descida.

Minha mente tentava projetar o que havia no final da escada, mas não era possível. Alguém aproximou-se com um instrumento nas mãos que parecia uma vassoura ou um rastelo. Olhou para mim com olhos ternos e acenou com a cabeça, pareceu compreender apenas através de meu semblante o meu desejo e iniciou a limpeza dos degraus da escada, um por um, sem a menor pressa.

Acheguei-me mais um pouco. Enquanto limpava delicadamente o primeiro degrau, sentei-me ao seu lado e fiquei a observar. Tinha os cabelos mais curtos que os meus, trajava uma blusa salmão e um short branco, estava descalça e possuía um leve sorriso no rosto que me transmitia serenidade.

A cada degrau limpo, eu avançava, sentando-me em cada um deles. Meu pé, também descalço, sentia a delicadeza da madeira da qual a escada era feita. De tão antiga a madeira possuía frestas que estavam entupidas de terra. Um frescor subia pelos meus pés, vindo do chão frio.

Estava agora já no quarto degrau. Não via o final da escada. Era uma gruta escura e, ali onde estava, as paredes estreitavam e sentia-me um tanto claustrofóbica, mas a presença que me acompanhava não deixava-me sentir medo.

Os últimos três degraus não estavam tão sujos e pude ver perfeitamente que não eram de madeira. Cheguei ao final da escada, a presença sorriu para mim ternamente, virou-se e partiu. Fiquei ali sozinha. Por alguns instantes assustei-me com a escuridão, mas rapidamente acalmei-me.

Meus pés pisavam no chão gelado da gruta. Olhei para frente e uma luz extremamente brilhante iluminou todo o ambiente. Acalmei-me ainda mais. Por alguns instantes fiquei ali, deliciando-me com a paz que vinha daquela luz. Senti-me mais forte. Respirei profundamente o ar que ali dentro parecia ainda mais puro, mais fresco, mais revigorante.

Cheia de espiritualidade e de tranqüilidade cogitei iniciar a subida da escada, de volta à luz do dia. Parei no primeiro degrau, a luz vinda lá de fora não ofuscava, mas proporcionava uma estranheza a respeito de como veria o mundo de agora e diante.

Meus pés sentiram os primeiros três degraus de pedra. Vagarosamente transportei-me para o degrau de madeira. Pela primeira vez percebi que delicadas flores do campo cresciam na sua margem, entre as paredes de pedra e a madeira.

Passei pela parte estreita da abertura, minhas mãos tocaram os dois lados da parede de pedra. Uma forte energia arrepiou todo o meu corpo. Com mais entusiasmo terminei de subir os últimos degraus. A luz do sol e o céu azul invadiram meus olhos, fechei-os por alguns instantes. Aspirei profundamente o ar fresco e senti-me pronta para a nova etapa dessa nova jornada.