sábado, 30 de outubro de 2010

AS ESCADAS


Parei no topo da escada e olhei lá para baixo. No terceiro degrau a entrada se estreitava. Havia muitos galhos, terra, mato e mal podia ver de qual material a escada era feita. A luz não permitia que eu visse nada além do terceiro degrau. Sentei-me no chão em busca de coragem para iniciar a descida.

Minha mente tentava projetar o que havia no final da escada, mas não era possível. Alguém aproximou-se com um instrumento nas mãos que parecia uma vassoura ou um rastelo. Olhou para mim com olhos ternos e acenou com a cabeça, pareceu compreender apenas através de meu semblante o meu desejo e iniciou a limpeza dos degraus da escada, um por um, sem a menor pressa.

Acheguei-me mais um pouco. Enquanto limpava delicadamente o primeiro degrau, sentei-me ao seu lado e fiquei a observar. Tinha os cabelos mais curtos que os meus, trajava uma blusa salmão e um short branco, estava descalça e possuía um leve sorriso no rosto que me transmitia serenidade.

A cada degrau limpo, eu avançava, sentando-me em cada um deles. Meu pé, também descalço, sentia a delicadeza da madeira da qual a escada era feita. De tão antiga a madeira possuía frestas que estavam entupidas de terra. Um frescor subia pelos meus pés, vindo do chão frio.

Estava agora já no quarto degrau. Não via o final da escada. Era uma gruta escura e, ali onde estava, as paredes estreitavam e sentia-me um tanto claustrofóbica, mas a presença que me acompanhava não deixava-me sentir medo.

Os últimos três degraus não estavam tão sujos e pude ver perfeitamente que não eram de madeira. Cheguei ao final da escada, a presença sorriu para mim ternamente, virou-se e partiu. Fiquei ali sozinha. Por alguns instantes assustei-me com a escuridão, mas rapidamente acalmei-me.

Meus pés pisavam no chão gelado da gruta. Olhei para frente e uma luz extremamente brilhante iluminou todo o ambiente. Acalmei-me ainda mais. Por alguns instantes fiquei ali, deliciando-me com a paz que vinha daquela luz. Senti-me mais forte. Respirei profundamente o ar que ali dentro parecia ainda mais puro, mais fresco, mais revigorante.

Cheia de espiritualidade e de tranqüilidade cogitei iniciar a subida da escada, de volta à luz do dia. Parei no primeiro degrau, a luz vinda lá de fora não ofuscava, mas proporcionava uma estranheza a respeito de como veria o mundo de agora e diante.

Meus pés sentiram os primeiros três degraus de pedra. Vagarosamente transportei-me para o degrau de madeira. Pela primeira vez percebi que delicadas flores do campo cresciam na sua margem, entre as paredes de pedra e a madeira.

Passei pela parte estreita da abertura, minhas mãos tocaram os dois lados da parede de pedra. Uma forte energia arrepiou todo o meu corpo. Com mais entusiasmo terminei de subir os últimos degraus. A luz do sol e o céu azul invadiram meus olhos, fechei-os por alguns instantes. Aspirei profundamente o ar fresco e senti-me pronta para a nova etapa dessa nova jornada.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

CARTA ABERTA

Olá, bom dia!


Como vai? Espero que esteja bem! Eu também vou indo (só não sei bem para onde). Resolvi te escrever esta carta porque senti muito sua falta nos últimos dias. Não é só uma falta física não, aquela do abraço, do carinho, do desembaraçar os meus pensamentos por meio das suas mãos nos meus cabelos; é também a falta espiritual, da simples presença que me acalma, me faz uma pessoa melhor, daquelas palavras que parece que clareiam a minha mente pela simples melodia.

Na última vez que nos falamos (por breves 20min) disse-lhe coisas boas que tinham ocorrido na minha vidinha, mas nos últimos dias, aconteceram um turbilhão de coisas, a maioria não tão boas. Teve um dia desses que senti uma necessidade enorme de me aconchegar no seu peito e ficar ali, paradinha, ouvindo seu coração bater, sentindo a sua respiração, me aquecendo no seu calor. Só que você não estava aqui e nem te ligar eu podia.

Sabe, por mais que eu tente, tem certas coisas que não consigo entender; mais ainda, não consigo aceitar. Estava tudo tão fácil, tão simples, tão natural... talvez por isso não tenha dado certo: nada na minha vidinha é fácil. Tudo para mim sempre foi muito batalhado, suado, sofrido. Com você não poderia ser diferente.

Já não espero mais, já não conto mais com uma ligação sua dizendo que tudo foi um engano, um mal entendido; ou com você parando o carro no meu portão e dizendo que realmente sou eu e que nada mais nos afastará.

Retornei ao plano original, aquele de antes de você. Vou levando minha vidinha (mesmo continuando sem saber para onde). Vou viver um dia de cada vez, ou, como disse-me uma amiga outro dia: vou matar um leão a cada dia. O único problema será quendo vier mais de um leão por dia, como foi nessa semana. Aí, verei se consigo amarrar alguns no portão para ir matando-os aos poucos, porque acho que leão não é nada comportado para ficar em fila, principalmente se for para esperar abate.

Bom, é isso. Nem sei ao certo se me fiz entender. Na maioria das vezes nem eu mesma me entendo. Outro dia coloquei uma frase no meu MSN de Napoelão Bonaparte que dizia: “A maior batalha que travo é contra mim mesmo.” Muito sábio o cara, talvez por isso morreu louco. A sabedoria nos deixa loucos, sabia? A coordenadora da minha faculdade uma vez me disse que lamentava ter saído da roça e ido para a cidade estudar, que era saudosa dos tempos em que nada sabia, em nada pensava e ficava por alí, no terreiro de sua casa a jogar milho para as galinhas.

Para mim agora é tarde, os inúmeros livros que já li, as infindáveis divagações e os conhecimentos empíricos já não me dão mais a tranquilidade de uma vidinha sem nada saber, sem nada pensar para ficar só a jogar milho para as galinhas.

Um beijo gostoso, um abraço bem apertado e todo o meu carinho,

Patrícia.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

CONVERSA

 - A vida tem tantas surpresas, né...

- É...

- Quem poderia dizer que eu viveria tantas coisas assim nos últimos tempos...

- O pior é que ainda pode acontecer tanta coisa, que eu tenho até medo de pensar...

- É...

sábado, 9 de outubro de 2010

MAIS OU MENOS


Outro dia, numa intensa divagação com minha filha sobre a vida e a intensidade do viver, ela citou um belíssimo trecho de um texto que ela havia encontrado numa comunidade do Orkut. Ao analisar as palavras ali escritas, ela, no alto dos seus 16 anos, resolveu dar um novo rumo à sua vida e, sabiamente deu uma guinada de 180º naquilo que achava que estava mais ou menos.

Ontem a noite, em outro momento divagativo, lembrei-me daquele texto e resolvi analisá-lo à luz de um momento que exige mudanças. Em decorrência das conclusões obtidas, vou tentar também dar uma guinada, talvez não de 180º como minha doce adolescente, mas de uns 90º, o que já causaria enormes modificações na intensidade do MEU viver.

Segue o trecho, não tinha autoria, por isso não coloco aí. Caso alguém saia de qual cabecinha saíram essas sábias palavras, diga-me para que eu dar-lhe os merecidos créditos.

“A gente pode morar numa casa mais ou menos, numa rua mais ou menos, numa cidade mais ou menos, e até ter um governo mais ou menos. 

A gente pode dormir numa cama mais ou menos, comer um feijão mais ou menos, ter um transporte mais ou menos, e até ser obrigado a acreditar mais ou menos no futuro. 

A gente pode olhar em volta e sentir que tudo está mais ou menos. Tudo bem. O que a gente não pode mesmo, nunca, de jeito nenhum é amar mais ou menos, sonhar mais ou menos, ser amigo mais ou menos, namorar mais ou menos, ter fé mais ou menos, e acreditar mais ou menos. Senão a gente corre o risco de se tornar uma pessoa mais ou menos”.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

OUÇA


Feche os olhos... respire fundo soltando todo o ar dos pulmões bem devagar. Ainda de olhos fechados, conte até dez (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10). Abra os olhos bem devagar.

Sei que não está gostando do que está ouvindo, mas gostará ainda menos da reação de alguns a sua volta. Olhe nos olhos, dispa-se de qualquer sentimento negativo, apenas olhe nos olhos da forma mais cristalina que puder e ouça tudo, todas as palavras, todo o desabafo, apenas ouça.

As palavras são duras, eu sei, mas você precisa ouvi-las. Alguém precisa ouvir, alguém precisa ser culpado e nesse momento, calhou para você. Ouça, apenas ouça. Você terá vontade de gritar, vomitar várias verdades, insultos, injúrias, ultrajes, mas apenas ouça.

Seu coração vai doer por algum tempo. Você realmente se sentirá culpada. Arrepender-se-á e terá vontade de voltar no tempo. Entretanto não conhecemos histórias que não aconteceram e você não tem como reescrever algo assim. Então ouça, apenas ouça.

Se uma lágrima teimar em rolar na sua face, deixe-a cair livremente, será um escape para que você não exploda. Agora, não se esqueça de olhar para dentro de você, não esqueça lembrar-se de quem és, do que tens de melhor e tenha certeza que não é inferior a ninguém, menos ainda àqueles que te ferem nesse momento.

Às vezes as pessoas precisam desabafar e nesse momento incidiu ser você o alvo, por isso ouça, apenas ouça.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

CONTAGIAR-SE

Aprendemos, desce cedo a correr atrás de prevenir contágios, seja por meio de vacinação, seja por meio de evitar contatos com outras pessoas. Nos últimos meses temos visto a mobilização de profissionais de saúde para a vacinação de pessoas para evitar o contágio da Gripe H1N1. Tem também os recém nascidos que são imunizados contra contágio de várias doenças ainda bebês.

E o que é contagiar? Contagiar é transmitir ou transmitir-se! É ser tomado por contato imediato e, em alguns casos, mediato também. Por conseguinte, contagioso é aquilo que se propaga, que se provoca.

As pessoas pensam que só há contágio de doenças, de coisas negativas e ruins. Olhando e analisando, notamos que nem sempre o contágio pode ser visto negativamente. Não é só Gripe Suína, Febre Tifóide, Sarampo ou Conjuntivite que contamina. Bocejo, por exemplo, também contamina. Mas nesse caso, o que é transmitido é uma certa sonolência, moleza mesmo, e uma enorme vontade de espreguiçar e relaxar. Um sorriso de criança, ou mesmo de um amigo, pai, mãe, amor, contamina e deixa o contaminado feliz.

Mas não tem coisa que contamina mais que crise de riso. Nesta, você chega perto da pessoa que está sofrendo a crise e desata a rir também. Na maioria das vezes você nem sabe por que está rindo, só sabe que ri tanto que a barriga doi, o músculo das bochechas parece que vai dar câimbras, as lágrimas escorrem de felicidade, e dá até vontade de fazer xixi.

Só que para ser contaminado assim, esse contágio bom que nos faz felizes, é preciso estar próximo, é preciso estreitar as relações que andam tão distantes entre as pessoas, estranhas ou conhecidas, familiares ou amigos, amantes ou apenas rostos conhecidos pelos quais passamos todos os dias.

Precisamos abandonar as prisões que construímos em nós mesmos e nos achegar a outros. Desfazermos de nosso aprendizado de prevenções de contágios e nos deixar contagiar por tudo que é bom e nos faz bem. Contagiar pela beleza de ver uma criança sorrindo sem nenhum motivo aparente, pela sensação saborosa de um sol quentinho que acaba de nascer, pela visão extasiante de uma lua cheia que desponta no céu negro da noite salpicado de estrelas, enfim, pelos prazeres mais simples da vida e do viver.

E, a partir do momento que somos contagiados, contagiar os outros também, espalhando boas notícias, contando histórias com finais felizes, abraçando, beijando, dizendo ‘Bom Dia!’, desejando ‘Boa Noite!’ Enfim, seja feliz, contagie, e contagie-se.

Publicado no Jornal Cidade

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

EXTRATERRESTRE

Realmente não pertenço a esse mundo. Venho trabalhando nessa hipótese há algum tempo, mas a cada dia, a cada novo acontecimento no meu cotidiano meticulosamente calculado, chego mais perto da conclusão de que algum extraterrestre, conterrâneo meu, muito dos engraçadinhos me atingiu com um raio de lavagem cerebral e me abandonou aqui na Terra.

Sou sim uma pessoa estranha. Não tenho os convecionalismos da maioria das pessoas. Tem dias que gosto de abraçar todos que encontro no caminho e há outros que tenho a maior dificuldade de olhar nos olhos e dizer “bom dia”. Não dou a mínima para falsos moralismos, mas tenho um padrão de pensamento que direciona minha vida e a dos que convivem comigo.

Respeito às pessoas. Essa é minha principal regra. Respeito ao que elas pensam, ao que elas amam, ao que elas admiram. Respeito às suas escolhas, às suas decisões. Respeito aos combinados, aos pré-estabelecidos, aos pré-entendidos.

Outro dia me disseram que para recebermos amor, precisamos primeiro amar. Então para sermos respeitados, precisamos primeiro respeitar? Certo?

É nestas horas que reafirmo minha ideia de não pertencer a este mundo. Talvez ame mais que deva ser amada, respeito mais que deva ser respeitada. Aí fico exigindo o que não podem me dar. Mas amor não se exige (EU sei disso). Respeito também não.

Só queria é que me dessem na medida em que dou. E se dou na medida em que recebo meu sistema de medida anda meio descalibrado, porque estou sentindo que estou recebendo uma dose menor de amor e de respeito de todos aqueles aos quais dispenso esses dois sentimentos (respeito é sentimento?).


sexta-feira, 1 de outubro de 2010

A AUSÊNCIA DO BOM DIA


O ruído vindo lá de fora anunciava que já era manhã, mas meus olhos não queriam acordar e teimavam em não abrir. Ainda de olhos fechados, corpo abraçando-se como em posição de auto proteção, reuni todas as forças e levantei-me; um pé, depois o outro e fiz-me de pé.

Abri a janela e sorri para o dia, só que ele também não estava tão disposto assim a devolver-me o sorriso. Pesado e cinzento parecia que nem mesmo o dia queria acordar, sair da cama, dar conta da vida. Entretanto, tal como eu, não era senhor de suas vontades e ele, ainda mais que eu, detinha outros que o esperavam para dar continuidade às suas obrigações. Então também se levantou: um raio, depois o outro e fez-se dia.

Continuidade. Aqueles que fui encontrado pelo caminho olhavam-me mas não viam-me. Minha mente pronunciava silenciosamente “Bom dia!”; meu coração ansiava um carinho; meus braços buscavam um abraço. Mas todos que por mim passavam, olhavam-me, mas não viam-me.

Em silêncio fui tocando as horas, uma a uma. Em silêncio os outros foram passando por mim, um a um. Em silêncio minha mente imaginava sorrisos, elogios, cumprimentos. Em silêncio meus braços buscavam afagos, toques, abraços. Em silêncio meu coração apertava-se por aqueles que não compreendiam que nos dias em que eu não consigo dizer-lhes “Bom dia!” é o dia em que mais preciso ouvir “Eu te amo!”