segunda-feira, 7 de março de 2011

A PERFEIÇÃO

Acordei bem cedo, o sol ainda nem raiara de todo. Pulei da cama e coloquei-me a andar de um lado para o outro. O sonho que tivera a noite ainda estava muito vivo na minha mente. Podia sentir toda sua força, sua realidade e a necessidade inerente da sua busca.

Juntei minhas coisas, fechei portas e janelas, coloquei uma mochila nas costas com o mínimo de pertences possíveis e parti em minha jornada. Não seria fácil, disso eu já sabia, mas não tinha como não ir: ela chamava-me em minha mente, meu nome latejava em sua voz grave e forte, sua voz perfeita.

Virei montanhas a sua procura. Atravessei vales lindíssimos, um deles em especial, com uma relva salpicada de pequenas flores roxas e amarelas. O vento batia naquelas flores e as faziam bailar de um lado para o outro. Junto com o vento que soprava naquele campo senti o cheiro daquela que procurava. Parei naquele chão macio e esperei algum tempo aspirando o ar, tentando localizá-la, vários foram os segundos que passaram, mas ela não estava mais ali. Neste momento percebi que o sol se punha, juntei alguns gravetos, fiz uma pequena fogueira, ali mesmo no campo aberto. Parei repousei por uma noite apenas.

Quando o céu ficou negro e os pequenos pontos brilhantes apareceram no firmamento, tomei minha mochila e passei a vasculhar meus pertences. Lá no fundo achei uma caixinha onde guardei minhas lembranças, todas elas, bem dobradinhas e ajeitadinhas para que eu as consultasse sempre que visse necessidade, mas a cada dia que passava, menos vontade sentia de visualizá-las, de sentir a emoção de revivê-las, apenas minha busca interessava, apenas encontrar o objeto do meu desejo, o atormentador dos meus sonhos, apenas ele satisfaria meus anseios, me daria a paz, me faria findar minha jornada.

Já com sol alto no céu, atravessei um rio caudaloso. Sua correnteza quase levou embora minha mochila com meus provimentos, aqueles parcos cuidados que optei por levar junto a mim em minha jornada. Mas fui mais rápido e forte que as águas do rio: atei-me aos meus sentimentos, emoções e lembranças e com braçadas fortes cheguei à margem oposta.

Um pouco cansado da jornada e de todos os percalços pelos quais vinha passado em todo caminho, assentei-me junto a uma frondosa árvore no cume de uma montanha. De lá, avistei uma bela jovem. Ela cantava e dançava ao sabor do vento, numa melodia que se misturava com a luz do dia e o calor do sol. Num relance ela olhou para mim e sorriu. Um sorriso tão cheio de vida que meu coração acendeu-se novamente. Senti uma força tão forte que vinha do seu olhar que parecia que irradiava em mim energia.

Em passadas miúdas ela foi achegando-se a mim, sentou-se ao meu lado e percebi de onde vinha a melodia que enchia o ar quando ela dançava: era sua voz. Uma voz tão suave que acariciava meus ouvidos e suas palavras, ah suas palavras, eram de uma sabedoria e de uma esperteza que parecia que ela havia aberto minha mochila e fuçado em tudo que havia lá dentro, conhecendo cada pedacinho de mim, cada dor, cada prazer, cada contentamento, cada dúvida, cada sofrimento, cada paz.

O prazer de estar ao lado dela, de ouvi-la, de tocá-la, de dançar no campo junto a ela era incapaz de ser medido. Fui deixando-me ficar. Sua presença me satisfazia por inteiro. Já não me importava mais com meus pertences tão bem guardados, não precisava guardá-los dela, ela parecia já conhecê-los e não se importava com eles.

Dias e noites passaram. Dias de sol aquecendo a pele, noites de lua banhando de prata nossos corpos. Dias de chuva que lavava nossa alma, noites de estrelas que brincavam de esconde-esconde com as nuvens.

Em uma dessas noites, ela dormia mansamente em meus braços, podia ouvir sua respiração compassada e sorria com o bater do seu coração bem perto ao meu. Em uma dessas noites voltei a sonhar; aquele sonho sufocante que não me permitia ficar parado; aquele sonho que me chamava; aquele sonho que me cegava.

Com toda delicadeza que ainda restava-me coloquei-a de lado. Sorrateiramente levantei-me, tomei novamente minha mochila, atei bem o nó das minhas lembranças, acomodei todos os meus sentimentos lá no fundo, sufoquei minhas emoções entre outras coisas e parti. Quando já ia longe parei por um instante e olhei para trás, olhei para a moça: ela estava sentada junto a árvore. Vi em seu rosto, seus olhos negros deixarem cair uma lágrima. Ela não disse uma só palavra, nem um gesto fez, apenas deixou-me ir, seguir meu caminho, continuar minha busca.
Hoje ainda vago por campos, montanhas, rios, vales desertos. Caminho entre flores roxas e amarelas, ouço o vento, aqueço-me ao sol, conto as estrelas e continuo a minha jornada; ainda busco encontrar o que é perfeito, o máximo de excelência que uma pessoa ou coisa pode alcançar. A pureza, o apuro, o  primor, o esmero, o requinte. A per-fei-ção.

2 comentários:

  1. Há uma riqueza de detalhes em seu texto! Quase uma perfeição para os mais descritivos.rs

    A perfeição deve ser sempre o nosso alvo. Talvez melhor dizendo, seguindo os passos do nosso Senhor Jesus Cristo, a santidade deve ser a nossa busca!

    Bjs

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  2. Regi,

    Não discordo de vc, mas não alcançaremos a perfeição, ela não nos pertence, somos seres imperfeitos e essa busca insana muitas vezes nos leva a caminhos tortuosos que nos desgastam desnecessariamente.

    Deu pra entender???

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