sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

MEU PERSONAGEM FAVORITO DE LIVRO

Eu tentei. Juro que tentei. Procurei em todos os cantos, visitei cada sala. Entrei nas salas escuras, nas ensolaradas, naquelas onde as teias de aranha desciam do teto como rendas perfeitas e grudentas, nas salas poeirentas e naquelas todas arrumadinhas, limpinhas e perfumadinhas.


Em algumas salas apenas enfiei a cabeça para dentro e chamei por alguém num sonoro “oláaaaa”. Em outras, a porta pesava rangia e, acompanhada de um arrepio de medo, entrei mais profundamente e vasculhei gavetas, armários e mesas. Nestas últimas encontrei algumas gentes um tanto quanto taciturnas e, com alguma dificuldade consegui arrancar-lhes uma palavra ou outra, sobretudo para lembrar-me o motivo pelo qual permaneciam ali. Houve momentos que um nó amarrou minha garganta e lágrimas encheram meus olhos ao ouvir seus relatos de tão poucas palavras; neste momento saia silenciosamente e fechava a porta atrás de mim.

Numa dessas salas escuras encontrei um belíssimo rapaz que olhava para a paisagem lá fora através de uma enorme janela de vidro. Não havia som naquele ambiente, só o silêncio. Olhos amendoados e semblante triste, ele disse-me estar cansado de viver, ou, pelo menos, de permanecer neste mundo. Queria adormecer, permitir que sua mente desligasse-se. Em meio a nossa conversa, um fio de esperança iluminou seus olhos: era o amor, talvez proibido, talvez improvável, mas um amor tão forte que seria capaz de derrubar todas as barreiras e fazê-lo sentir novamente vontade de viver, ou, de permanecer neste mundo. Apesar de encantada por aquele lindíssimo rapaz, sabia que não era ele. Fechei a porta atrás de mim, e continuei minha procura.

Em uma das salas ensolaradas encontrei um menino de cabelos encaracolados da cor do sol que brincava ao sabor do vento que vinha das janelas abertas. Reparando melhor, parecia que nem havia janelas, a impressão que dava é que o menino de cabelos encaracolados da cor do sol brincava num enorme deserto, que mesmo com toda aquela claridade vinda do céu não era quente, pois o garotinho sustentava um sobretudo azul turquesa e não parecia sentir calor. Vez ou outra esse garotinho mostrava-me seus desenhos, duas folhas que ele tinha guardadas no bolso do sobretudo, uma trazia uma cobra que acabara de engolir um elefante e na outra uma caixa de onde podíamos ver, pelos buracos redondos na lateral, um carneiro.

Fiquei horas brincando com aquele menino de cabelos encaracolados da cor do sol, acreditei até que poderia ser ele, mas como é difícil tomar uma decisão dessas. Então, numa despedida calorosa saí daquela sala e, quando fechava a porta atrás de mim, ouvi sua risada sonora que me acompanhou até que eu abrisse outra porta e entrasse em outra sala.

Esta outra sala era escura, parecia mais um porão, e nela havia uma menina de pele muito branca, magrinha e de cabelos escuros. Ela estava sentada a um canto e lia um livro com páginas grossas, que pareciam ter sido pintadas com tinta branca e alguém havia escrito por cima. Ela contou-me algumas histórias, umas tristes, outras alegres, mas todas muito interessantes. Eram histórias que ela havia vivido, que ela havia ouvido, mas, sobre tudo, que ela havia lido. Por instantes apostei nela como sendo a eleita, mas desisti depois, apesar dos muitos atributos que sabia que ela tinha, ainda não era ela. Sai despedindo-me com um beijo e um abraço bem apertado. Quando fechava a porta atrás de mim senti, ainda, seus dedos gelados sobre minha pele.

Quando abri outra porta, deparei-me com uma árvore plantada no meio da sala e sobre ela um garoto. Aquele menino franzino parecia conversar com a árvore. Não consegui subir até ele, pois os galhos da árvore tinham espinhos, mas fiquei aos seus pés ouvindo sua história. Rimos juntos, criamos aventuras imaginárias, olhamos para o céu e brincamos de adivinhar desenhos nas nuvens. Fechei a porta daquela sala com uma agradável leveza no meu ser, algo maroto, que me remetia à minha infância.

Porta atrás de porta fui abrindo, uma a uma. Gentes e mais gentes fui revisitando, relembrando, re-apaixonando, re-admirando. Mas não consegui eleger uma única gente. Não foi possível. Cada uma delas tem uma história diferente, despertou em mim um sentimento diferente, remeteu-me a uma situação diferente, mostrou-me algo diferente, possibilitou-me tornar-me um pouquinho diferente.

Desta forma, declaro aqui, ser impossível a uma pessoa tão apaixonada por livros como eu, eleger um, um único personagem favorito de livro, pois todos me são especiais e sou incapaz de escolher apenas um.

Este texto faz parte da Blogagem coletiva: Meu Personagem Preferido, do Blog Livros e Afins de Alessandro Martins .

2 comentários:

  1. Ei! Legal! Mas não esqueça do link... como as pessoas vão saber que ele está participando da blogagem? Beijos do Ale!

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