quinta-feira, 31 de março de 2011

ESPELHO


Li em algum lugar, ou ouvi de algum professor de Psicologia na faculdade, sobre a importância de mostrar à criança sua própria imagem no espelho, dizer a ela o quanto é bonita, especial, inteligente: única. Essa atividade simples de descoberta dos pequenos leva-os a iniciarem a construção da própria imagem, a construção de si mesmos; os leva a perceberem-se como indivíduos, notando suas potencialidades, aprendendo a lidar com suas limitações, buscando desafios de superação do que são de fato e do que pretendem tornar-se.

Quando criança, a vida parece uma possibilidade infinita de histórias a serem vividas. A cada momento que passamos na nossa infância imaginamos uma personagem diferente para vivermos: hora mulher guerreira que vence todos os monstros; hora princesa frágil que necessita ser salva pelo príncipe encantado; hora eremita que vive isolada no cume da montanha; hora mestre cuca preparando delícias para servir aos seus; hora desbravadora de terras desconhecidas comandando uma legião de seguidores; hora mãe zelosa de belos pimpolhos que apenas alimentam-se e dormem em berços cor de rosa...

Na medida em que o tempo vai passando e as tranças e os laços de fita vão deixando de fazer parte do figurino dessas personagens, os roteiros também vão mudando, alterando-se de acordo com o cotidiano. Agora elas não olham mais para o espelho com tanto entusiasmo, sempre encontram um “defeito” aqui ou ali que as perturbam. Simplesmente esquecem-se de apenas admirarem-se, constatarem que são lindas, especiais, inteligentes: únicas. Olham além da imagem refletida procurando algo que nem elas mesmas sabem o que é.

Essa busca e a necessidade de viver o que se encontra, mistura-se com os sonhos das aventuras da infância e a necessidade de também vivê-los. As personagens vividas aqui estão em conflito com as vividas acolá. Os roteiros fundem-se e confundem-se e muitas vezes, o tempo (“tempo, tempo, tempo, mano velho tempo...”) não permite que toda a história seja vivida ou, em outros casos, o autor dessas mesmas histórias decide por alterações estratégicas neste roteiro que atordoa a personagem principal, tira-a de foco, dispersa-a, faz com que perca suas falas, inibe-a diante da platéia, leva-a a recolher-se até que recobre a sobriedade, concentre-se novamente e retome a cena bem de onde havia parado, do mesmo ponto, mas com um novo espírito, com uma nova expectativa.

Em mais uma passagem de tempo o espelho revela outros pontos. Agora vemos um brilho diferente nos olhos. Talvez ainda exista alguma dúvida, talvez ainda resida alguma hesitação naquela pequena criança de outrora que agora cresceu, viveu, amadureceu; entretanto o crescer, o viver, o amadurecer e mais ainda, o representar a vida, o enfrentar os desafios que ela lhe proporcionou, o conviver com os diversos atores que com ela contracenaram nessa bela história deu-lhe a certeza de que de fato é linda, de fato é especial, de fato é inteligente, de fato é única e agora, fica só o prazer de colher os louros de sua belíssima apresentação dessa vida.

2 comentários:

  1. Parabéns! Belas palavras, "belas idéias"!

    Vc está cada dia melhor!

    Bjs! JE

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  2. Rs...
    Ótima reflexão!!

    Conseguiu levar-me a refazer meu percurso até aqui diante do espelho.

    Bjs

    Ps.: Gostei também da temática e da forma como escreveu o texto/crônica. É bom enveredar por outros caminhos 'estílisticos' de vez em quando, não é mesmo? Já estava sentindo falta de seus textos também!!

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