quarta-feira, 5 de agosto de 2009

O DESAFIO - PARTE III: 2024


É 04 de agosto de 2024. Estou dentro do meu carro, estacionada numa travessa no centro da cidade, que a estas horas ainda é tranquila. Pelas frestas dos vidros ouço os uivos do vento lá fora, que sempre existiu nesta época do ano, mas a cada ano que passa vem se tornando mais forte, e nunca foi tão intenso como agora; em alguns momentos sinto o carro balançar com a sua força.

Sinto que não posso demorar por aqui. Em breve escurecerá e as ruas não são mais seguras como outrora, sem falar no frio intenso que abate a cidade assim que o sol se põe. Durante o dia o calor é insuportável, entretanto, durante a noite as temperaturas caem a níveis inadmissíveis.

Preciso apressar-me; preciso resolver logo o que me propus para poder voltar para a aparente segurança da minha casa. Aparente porque apesar dos altos muros, cercas elétricas, câmaras de segurança e cães de guarda, se "eles" quiserem realmente entrar, nada disso os deterá.

Rapidamente reúno meus pertences e ligo o carro, que já não é mais um ato tão simples como antes, dados os novos combustíveis criados que temos que usar agora, para substituir o petróleo que após décadas de exploração desenfreada, se tornou inacessível à maioria da população mundial, inclusive à nós que fomos um dos grandes exploradores das ilusórias camadas pré-sal de outrora.

Com algum sacrifício dirijo pelas ruas empilhadas de pessoas tão apressadas quanto eu em direção ao seu refúgio, além de muito lixo; lixo este que os fortes ventos ajudam a espalhar e a exalar seu odor para ainda mais longe.

Pelo vidro fechado do carro vejo uma senhora apressada arrastando uma criança pelo braço. As crianças de hoje também não são mais como as do passado, agora elas tem o olhar triste e assustado, ou, nos piores casos, tem o olhar da maldade que "eles" possuem; mas neste horário "eles" ainda não se arriscam a circular pelas ruas.

Chego, enfim, à minha casa. Um certo ar de segurança me invade, entretanto sei que ele não é tão verdadeiro assim. Tranco os portões, religo a energia das cercas, alarmes e câmaras de segurança. Antes de me enclausurar em minha casa alimento meus cães e lhes faço um afago, eles que jamais puderam conhecer a liberdade e acham que o mundo se resume à uma área de 200m.

Acendo as luzes da minha sala e vislumbro as telas que num passado não muito distante foram pintadas por mim, mas que cujas belas paisagens poderiam ser apreciadas de qualquer janela de minha casa, janelas estas que sequer podem ser abertas hoje.

Sobre a estante pendem porta retratos de uma felicidade que parece, olhando agora, que nunca existiu, foi apenas um sonho. Minha mente vagueia pelo passado e esboço um sorriso em meus lábios. Em meio ao sorriso ouço um forte grito de terror vindo lá de fora, seguido de diversos outros gritos ainda mais terríveis e uivos que, agora, não são mais apenas do vento. São "eles" que se aproximam e se apoderam daqueles que não conseguiram encontrar um abrigo seguro a tempo.

Em meio a este clima sombrio, meu esboço de sorriso se transforma numa interrogação: até quando existirão abrigos seguros? até quando conseguiremos prosseguir nesta jornada que sequer sabemos aonde nos levará?...

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