quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

CACOS DE MIM


Com muita tranquilidade sentei-me a sua frente, esperando que começasse a falar tudo o que há tempos vinha ensaiando para me dizer. Entretanto, com surpresa, percebi que ele também me observava, talvez na esperança de que algo acontecesse para que aquela conversa, há tanto prometida, fosse novamente adiada.

Sem mover um músculo sequer (eu imóvel), fui analisando seu rosto, seus cabelos, seus lábios, seus olhos (ora verdes, ora castanhos, dependendo do astral do dia). No canto superior dos seus lábios alguns vincos davam sinal de que o tempo estava passando, bem como os fios brancos salpicando seus cabelos castanhos, sempre bem penteados e organizados para trás.

Em alguns momentos desta análise, meus olhos cruzavam-se com os seus e eu podia perceber que o nervosismo estava presente em ambos, o que segurava as palavras ainda na garganta, sem forças suficientes para saírem pela boca e ganharem formas (muitas vezes não tão agradáveis aos ouvidos e, principalmente ao coração).

Com certa relutância elas, as palavras, começaram a organizar-se, ainda do lado de dentro do ser, e iniciaram seu desfile. No início eram algumas de desculpas, seguidas de outras de desapontamento, umas poucas de carinho, outras tantas de decepção... e assim elas foram perfilando-se a minha frente, numa profusão de frases que se misturavam com gestos e feições.

Eu, ainda sentada defronte, apenas ouvia e analisava aquela cena, como que por um passe de mágica, estivesse posta do lado de fora de uma tela de cinema, apenas assistindo a um filme. Como boa espectadora, esperava ansiosa pelo “The End”, porém a cada nova palavra proferida, mais distante ele ficava, ou melhor, mais se delineava um final trágico daqueles filmes que só passam no final da madrugada de domingo.

Quando pareceu que ele havia terminado seu discurso infundado a respeito de uma breve história a dois, recolhi os cacos que restaram de mim mesma: uns jogados ao chão, outros ainda em meu colo aguardando o momento de também despencarem...

Lentamente fui levantando-me, mas fui interrompida por uma súbita necessidade, do outro, de dizer o que eu pensava daquilo tudo. O que pensava? Impossível relacionar em palavras. Pelo menos naquele instante. Recolhi-me (eu e meus cacos). Levantei-me. Dirigi-me à porta e caminhei. Caminhei até onde minhas pernas aguentaram a pressão do meu corpo, o peso da minha angústia, a força das incertezas. Caminhei até não poder mais e ter que parar, sentar, reorganizar-me, descobrir o que achava daquilo tudo, colar os cacos que restaram de mim.

Posso dizer que ainda não sei o que acho, não sei se algum dia descobrirei. Só posso dizer que, ao sentar-me, ao refletir colando meus próprios cacos, descobri que preciso de alguém que me ajude nesta tarefa, de catar e colar os cacos que eventualmente quebram-se e caem pela longa jornada da vida.

Percebi que não quero apenas ser o esteio, quero ter quem me sirva de apoio também, nos momentos mais diversos (e, se possível em todos). Cheguei à conclusão que ser forte e resolver todos os problemas (meus e dos outros), é muito bonito, mas também muito doloroso, de modo que dividir estes com outro (os meus com ele, não só os dele comigo), deve ser muito bom também. E colar cacos de si com apoio alheio deve ser mais divertido que apenas sozinha, sentada à beira do caminho.

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